Toda vez que um carioca de classe média sofre algum tipo de violência, surge sempre um repórter com aquela pergunta feita sob medida para responsabilizar o poder público: “você pensa em sair do Rio?”. Nunca vi um jornalista fazer esse tipo de indagação para uma mulher pobre, favelada, seis filhos, ou melhor, cinco, porque o mais velho acabou de ser encontrado num valão. Gente assim não tem como escapar da morte serial. No máximo, foge para dentro de sua resignação.
Pois da próxima vez que eu encontrar alguém do “asfalto”, vítima de uma ação criminosa, dizendo na TV que vai sair do Rio para escapar da violência, eu mudo de canal na hora. E ainda digo que já vai tarde! Vá para sua casa de praia em Búzios ou Angra dos Reis, aquele mundinho de prazer que você não abre mão nem mesmo para exercer o direito de votar.
A derrota de Fernando Gabeira tem sabor de derrota mesmo. Sem essa de ganhador moral, até porque o que está em jogo não é o futuro do político, mas sim o destino da nossa cidade. Dói perceber que os motoristas espertalhões, que ultrapassam pelo acostamento para chegar mais cedo na praia, tiveram peso no resultado das urnas.
Gabeira teria vencido no Rio de Janeiro de Leila Diniz. Perdeu na cidade de Luana Piovani. Esta linha do tempo, que separa o Rio de Gabeira, do Rio de Paes, não tem superbonder que consiga unir. O candidato do PV resgatava o sentimento de civilidade e respeito que se perdeu pelo caminho. Campanha limpa, sem sujeira nas ruas, como fazíamos há 40 anos atrás para evitar o apelido de “Sujismundo”.
No Rio de Gabeira, desavenças pessoais eram resolvidas no mano a mano. Hoje, o infeliz é massacrado por gangues, sem qualquer chance de defesa. No século passado, ser médico era a garantia, no mínimo, de um excelente relacionamento com a sogra. Toda mãe sonhava com o casamento da filha com um doutor. Hoje, os discípulos de Hipócrates são taxados de vagabundos.
Eduardo Paes está mais sintonizado com a realidade. Gabeira é um sonhador. Entre o sonho e o real, sofre menos quem está acordado. Em contrapartida, a vida fica muito mais chata. Vamos continuar nessa festa estranha, com gente esquisita, sem ética e sem educação.
Parabéns aos Babus, Carminhas Jerominhos, Piccianis, e tantos outros que representam a realidade moral do Rio do século 21. A vocês, as chaves da cidade.